O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou, nesta semana, uma nova versão oficial do mapa-múndi que rompe com a tradicional perspectiva cartográfica. No novo modelo, o Brasil aparece no centro do mundo e o Sul está voltado para o topo da imagem, invertendo a convenção usual que coloca o Norte acima.
A proposta do novo mapa surge em um momento em que o Brasil desempenha papel de destaque nos debates geopolíticos e climáticos globais. O país preside atualmente o Brics e o Mercosul, além de ser sede de importantes eventos internacionais, como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), marcada para ocorrer em Belém, na Amazônia, em 2025.
O mapa destaca ainda os países que compõem o Brics, o Mercosul, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e os que integram o bioma amazônico. Também são evidenciadas as cidades de Belém (como sede da COP30), Rio de Janeiro (capital do Brics) e Fortaleza (sede do Triplo Fórum Internacional da Governança do Sul Global, que ocorre em junho).
Segundo a diretora de Geociências do IBGE, Maria do Carmo Dias Bueno, a inversão do mapa é intencional e visa provocar reflexão. “A orientação dos pontos cardeais é uma convenção cartográfica. Mapas com o Norte para cima podem carregar vieses simbólicos, associando superioridade a essa posição e inferioridade ao Sul. O novo mapa visa questionar essa naturalização”, afirmou.
Especialistas em geografia e cartografia concordam que a iniciativa é carregada de significado político e simbólico. Para o geógrafo Luis Henrique Leandro Ribeiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o mapa rompe com visões eurocêntricas consagradas e contribui para a construção de novas representações geopolíticas: “O centro do mundo pode estar em qualquer lugar. Como disse Milton Santos, cada lugar é o mundo à sua maneira.”
O professor Rafael Sânzio Araújo dos Anjos, da Universidade de Brasília (UnB), lembrou que pesquisadores brasileiros já produzem mapas com essa abordagem há cerca de duas décadas. Ele ressaltou que a oficialização do modelo pelo IBGE fortalece o debate sobre a posição simbólica do Brasil no mundo: “Esse mapa eleva a autoestima da nação. Ele oficializa uma representação mais alinhada com a nossa visão e papel atual.”
A nova representação utiliza a projeção cartográfica de Eckert III, proposta em 1906 por Max Eckert-Greifendorff. É uma alternativa mais equilibrada para o mapeamento temático do mundo, especialmente em relação às distorções polares comuns em projeções como a de Mercator — ainda largamente usada, mas criticada por inflar áreas ao Norte, como a Groenlândia, em comparação a regiões próximas ao Equador.
João Pedro Caetano de Lima e Carolina Russo Simon, da Associação de Geógrafas e Geógrafos Brasileiros, destacam que a mudança rompe com padrões coloniais. “O mapa estimula a reflexão sobre por que o Norte está convencionado como sendo a parte superior. Isso não é técnico, é simbólico e político. É também um gesto de reposicionamento do Brasil no cenário global.”
A inspiração também vem da arte. A orientação “de cabeça para baixo” remete ao famoso mapa “América Invertida”, criado pelo artista uruguaio Joaquín Torres García em 1943, que propunha uma reinterpretação da geografia mundial a partir da perspectiva do Sul.
Por outro lado, os pesquisadores ponderam que a nova versão pode gerar estranhamento inicial e resistência, já que a maioria das pessoas está habituada ao modelo tradicional. Ainda assim, ressaltam que os mapas são instrumentos de poder e expressão política: “Eles não são neutros. Refletem interesses, visões de mundo e podem ser ferramentas de dominação — ou de transformação social.”
Ao apresentar oficialmente essa nova cartografia, o IBGE reforça o papel do Brasil como um ator global em ascensão e como protagonista de um novo olhar sobre o mundo — mais plural, descentralizado e representativo das nações do Sul.
